terça-feira, 31 de outubro de 2017

A pulsão para além do princípio do prazer


Após diversas discussões acerca do texto freudiano Pulsões e destinos da pulsão (1915), utilizaremos o texto Além do princípio do prazer (1920) como complemento para o nosso estudo. O é do período de transição para a segunda tópica de Freud, e nele serão inseridos conceitos como pulsão de vida e pulsão de morte. Devido à extensão de tal texto, serão utilizados apenas fragmentos do mesmo, destacando-se as passagens que estão mais próximas e de acordo com nosso tema.
Nesse sentido, Freud utiliza-se de conceitos da biologia e de observações clínicas para fundar a ideia de compulsão à repetição, a qual remete a processos mentais característicos da infância e de eventos no tratamento psicanalítico. A repetição, no entanto, constitui-se como fonte de prazer. A partir de tais considerações, Freud propõe que o impulso de restaurar aquilo que foi perdido é comum de todos os seres vivos, sendo o componente pulsional um impulso inerente à vida orgânica, que tem por objetivo “restaurar um estado anterior das coisas, impulso que a entidade viva foi obrigada a abandonar sob pressão de forças perturbadoras externas” (Freud, 1920/1996, p. 47).
Tal estado anterior seria, portanto, a morte, pois “as coisas inanimadas existiram antes das vivas” (Freud, 1920, p. 49). Não obstante, assim como existem pulsões que nos direcionam a um estado inorgânico, há também aquelas que preservam a vida por um maior período de tempo, seja no nível do Eu (pulsões de autopreservação) ou da espécie (pulsão sexual). Nesse sentido, as pulsões de conservação objetivam estender o caminho entre os dois pontos inanimados – aquele anterior ao nascimento e o posterior à morte.
Durante o texto, Freud irá adentrar em tais conceitos de forma detalhada e explicativa, a fim de demonstrar que existem componentes psíquicos que se tornam uma exceção à regra e trabalham para além do princípio do prazer, o que será discutido posteriormente em nosso blog.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

As polaridades e suas relações

Partindo das três antíteses de nossa postagem anterior, vejamos com mais atenção duas destas polaridades. Visto que tais polaridades se relacionam de forma significativa, há também um momento no qual elas se encontram e se satisfazem. Nesse momento, quando o eu é investido pelas pulsões, nos deparamos com o narcisismo – a satisfação se dá de uma maneira auto erótica; não há um menor interesse no mundo externo, sendo nele depositado tudo o que for considerado desagradável, enquanto que o eu se identifica numa relação de amor com tudo o que é agradável ao sujeito.



 Mesmo que o mundo externo se torne inútil para o sujeito em sua condição auto erótica, alguns objetos desse mundo trazidos pelas pulsões autopreservativas podem ser interpretados como desagradáveis nesse momento. “Quando a fase puramente narcisista cede lugar à fase objetal, o prazer e o desprazer significam relações entre o eu e o objeto” (Freud, 1915/1996, p. 141). Assim, o sujeito toma para si os objetos que se apresentam como fonte de prazer enquanto expulsa o que, mesmo interno, se configura como causa de desprazer; o eu da realidade se torna então um eu do prazer, no qual o prazer é o único critério de relevância. No eu do prazer, então, o mundo externo se configura como algo que lhe é agradável (e que é incorporado a ele mesmo) e algo que é desagradável (que causa estranheza e afastamento), fazendo novamente com que as polaridades se relacionem; no sentido de que o eu está assimilado com o prazer, e o mundo externo com o desprazer.
Podemos associar a polaridade amor-ódio à polaridade prazer-desprazer, que se dá a partir da relação do sujeito com o objeto.



Se amamos um objeto o tornamos parte de nós mesmos, mas em contrapartida se ele nos causa sensações desagradáveis há uma repulsa e um ódio direcionados a ele. Porém é comum que, pela linguagem coloquial, aconteça de não nos referenciarmos aos objetos de autopreservação com um sentimento de amor, mas sim de necessidade, fazendo com que a palavra amar se distancie cada vez mais para um lugar entre a relação de prazer do sujeito e objeto e se aproxime relativamente das pulsões sexuais, tornando necessária certas distinções e considerações quanto ao uso da palavra amor e às pulsões que se relacionam a ela.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

As antíteses

Após sermos apresentados a todos esses pares de opostos presentes no psiquismo, Freud considera que os mesmos serão melhor entendidos a partir da compreensão das três antíteses regentes do aparelho psíquico, sendo elas:

Sujeito (eu)/Objeto (mundo externo)
Prazer/Desprazer
Atividade/Passividade

A primeira antítese – Sujeito/Objeto – remete àquilo que já foi discutido sobre à capacidade de se eliminar, através da ação motora, estímulos provindos do meio externo, ao passo de que tais ações são ineficazes em se tratando de estímulos pulsionais (internos). A segunda antítese – prazer/desprazer – diz da relação com o aumento ou diminuição de tensão, e está diretamente ligada ao princípio de prazer, o que foi amplamente trabalhado por Freud em 1911 em seu texto sobre as Formulações sobre os dois princípio do acontecer psíquico.


Por fim, o par de opostos atividade/passividade se funde, de acordo com Freud, à antítese feminino/masculino. Nesse sentido, a masculinidade é correspondente à atividade, assim como a feminilidade está para a passividade, o que “nos defronta, na realidade, com um fato biológico, mas não é de forma alguma tão invariavelmente completa e exclusiva como tendemos a presumir” (Freud, 1915/1996, p. 139). Entretanto, tais polaridades encontram-se em constante relação na vida psíquica, pois, na medida que o eu recebe estímulos do mundo externo, este torna-se passivo, e ativo quando o mesmo reage a eles.

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

A reversão do conteúdo pulsional

Como já mencionado anteriormente, “a reversão de uma pulsão em seu oposto transforma-se, mediante um exame mais detido, em dois processos diferentes: uma mudança da atividade para a passividade e uma reversão em seu conteúdo” (Freud, 1915/1996, p. 132). Como já foi amplamente discutido sobre a mudança da atividade para a passividade (nos pares de opostos sadismo/masoquismo e voyerismo/exibicionismo), resta-nos realizar considerações acerca da reversão do conteúdo pulsional, exemplificada por Freud pela mudança do amor em ódio. 

Temos conhecimento, portanto, de que um sujeito pode desenvolver sentimentos de amor e ódio de maneira coexistente, pois o amor é apenas uma espécie de pulsão parcial da sexualidade. Assim, amar admite três pares de opostos: odiar, ser amado e desinteresse/indiferença.


É interessante atentarmos para o fato de que a segunda antítese [amar/ser amado] corresponde à transformação da atividade para a passividade, como é no caso do sadismo/masoquismo e do voyerismo/exibicionismo. Sendo assim, essa situação remete a uma característica narcísica de amar a si mesmo e, “conforme o objeto ou o sujeito seja substituído por um estranho, o que resulta é a finalidade ativa de amar ou a passiva de ser amado – ficando a segunda perto do narcisismo” (Freud, 1915/1996, p. 138). Portanto, essa situação remonta o esquema apresentado na publicação anterior de reversão a seu oposto e/ou um retorno em direção à própria pessoa.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Aviso aos navegantes V

Como dito anteriormente, é possível que ao longo das obras de Freud estudadas em nossa pesquisa, sejam encontrados equívocos quanto à tradução ou até mesmo quanto à escolha de palavras na descrição de conceitos. É válido e importante que destaquemos aqui quando, de fato, nos deparamos com situações como estas.
Recentemente, em nossas leituras atentas ao texto Pulsões e destinos da Pulsão (1915), pudemos perceber um sentido distorcido ou mal colocado na tradução da Edição Standard, sendo ela a única que apresenta em sua tradução esse sentido textual diferenciado. Tomemos este pequeno parágrafo como um todo: “a bem da inteireza, posso acrescentar que os sentimentos de piedade não podem ser descritos como sendo o resultado de uma transformação do instinto que ocorre no sadismo, mas carecem da ideia de uma formação de reação contra esse instinto” (Freud, 1915/1996, p. 134, grifos do autor).
Porém, o sentido da frase quando traduzida pela Edição Standard distorce o sentido que foi proposto por Freud. No original alemão encontramos este mesmo trecho como segue: “Der Vollständigkeit zuliebe füge ich an, daß das Mitleid nicht als e in Ergebnis der Triebverwandlung beim Sadismus beschrieben werden kann, sondern die Auffassung einer Reaktionsbildung gegen den Trieb erfordert” (FREUD, 1915/1999, p. 222, grifos do autor).
Adotaremos a tradução de Luiz Hanns para este trecho, pois pensamos que coincide com a escrita freudiana: “para não deixar esta exposição incompleta, devo acrescentar ainda algo sobre a compaixão e dizer que ela não pode ser descrita como um resultado da transformação pulsional ocorrida no sadismo; é preciso que a concebamos como uma formação reativa contra a pulsão” (Freud, 1915/2004, p. 154, grifos do autor)
Nosso ponto de discussão é a última oração do parágrafo. Na Edição Standard – mas carecem da ideia de uma formação de reação contra esse instinto; e na tradução de Luiz Hanns – é preciso que a concebamos como uma formação reativa contra a pulsão. Vemos que o sentido destas duas orações é absolutamente oposto. Na Edição Standard diz-se que a compaixão carece de uma formação reativa contra a pulsão, enquanto na tradução de Luiz Hanns diz-se que ela é a formação reativa contra a pulsão. Não apenas a tradução de Luiz Hanns, mas também as outras que utilizamos em nosso trabalho seguem esta mesma ideia, de que a compaixão é uma formação reativa contra a pulsão, o que concorda com o original alemão.

Assim, é importante que nos atentemos a esses detalhes que podem alterar todo o sentido dos nossos estudos, uma vez que a alteração de uma palavra ou talvez uma interpretação mal colocada pode transformar o texto, distanciando-se da proposta original. Nesse sentido, damos seguimento às leituras com muita atenção e um olhar diferenciado quanto as traduções.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

O sadismo é primário ou secundário? Parte 2

Dando seguimento à ideia proposta por Freud sobre os pares de opostos, podemos nos orientar melhor pela ordem abaixo, que se apresenta na página 135 da edição de 1996 (o texto deste esquema tem uma tradução muito ruim, por isso tomamos nossa própria tradução):
0 – Uma pessoa olhando para o próprio órgão sexual. Aqui em um sentido de autoerotismo, quando o indivíduo ainda não tenha uma elaboração do eu (letra α do esquema).
1 – Uma pessoa olhando para um órgão estranho (voyeurismo). Nesse estágio há a elaboração do eu e essa pulsão se dá de forma que o indivíduo exerce um papel ativo; no qual ele direciona o olhar ao outro (letra β do esquema).
2 – O próprio órgão sexual é olhado pela pessoa. Aqui, apesar de o indivíduo ter exercido um papel ativo, esse papel é retornado a ele mesmo pelo abandono do objeto (sem letra no esquema freudiano, é o item acima à direita. Pela proposta freudiana, vemos que há uma relação entre este ponto e o ponto α).
3 – O órgão da própria pessoa é olhado por uma pessoa estranha (exibicionismo). Nesse tópico o sujeito exerce uma função passiva, uma vez que ele é o objeto para o outro observar (letra γ do esquema freudiano).

Se pensamos no masoquismo como algo que é primário, podemos nos utilizar da imagem abaixo para um maior entendimento, sendo S o sujeito:
Nela, o sadismo é revertido para a própria pessoa como forma de masoquismo.
Já na hipótese de o sadismo ser primário, seria interessante pensarmos da seguinte maneira:
  
Podemos perceber então, que, seguindo a ordem proposta pelo texto, as etapas se dariam dessa forma:
0 – Autoerotismo (ainda que possamos pensar mais uma fase dentro deste item, o narcisismo primário, posterior ao autoerotismo)
1 – Ativo
2 – Reflexivo
3 – Passivo

Esta forma com números é a mesma exposição da forma freudiana com letras gregas (α, β, sem letra e γ). Podemos então pensar um esquema que englobe todos os pontos, como um resumo:
Se nessa fase preliminar, considerarmos o autoerotismo como algo próprio e unicamente do sujeito, podemos então pensar numa pulsão que se origina pela e na própria pessoa. Porém, como a discussão se estende para além desse quesito, não devemos limitar à ela a continuidade dos nossos estudos.


quinta-feira, 17 de agosto de 2017

O sadismo é primário ou secundário? Parte 1


Ainda no que se refere ao par de opostos sadismo/masoquismo, Freud nos suscita uma dúvida (que continua em discussão em seu texto posterior sobre O problema econômico do masoquismo, de 1924), sobre o caráter primário (ou secundário?) do sadismo. A questão é se o masoquismo é derivado do sadismo ou vice-e-versa? Inicialmente, Freud considerava que o ato de infligir dor não se configura como a principal intenção da pulsão sádica, pois uma criança sádica não tem a intenção de infligir dor. Entretanto, “uma vez ocorrida a transformação em masoquismo, a dor é muito apropriada para proporcionar uma finalidade masoquista passiva” (Freud, 1915, p. 134). Nesse sentido:

Uma vez que sentir dor se transforme numa finalidade masoquista, a finalidade sádica de causar dor também pode surgir, retrogressivamente, pois, enquanto essas dores estão sendo infligidas a outras pessoas, são fruídas masoquisticamente pelo sujeito através da identificação dele com o objeto sofredor. Em ambos os casos, naturalmente, não é a dor em si que é fruída, mas a excitação sexual concomitante – de modo que isso pode ser feito de uma maneira especialmente conveniente da posição sádica. A fruição da dor seria, assim, uma finalidade originalmente masoquista, que só pode tornar-se uma finalidade pulsional em alguém que era originalmente sádico (Freud, 1915, p.134).

A partir disso, podemos observar que Freud, nesse momento, inclinou-se a considerar o sadismo como um processo primário ao masoquismo. Dessa forma, se considerarmos que o sadismo é primário, automaticamente o masoquismo será a pulsão sádica que retornou ao próprio eu, ou seja, uma mudança de objeto pulsional. Todavia, se considerarmos que o masoquismo seja primário ao sadismo, estaremos diante de uma reversão da pulsão ao seu oposto, isto é, uma alteração da meta pulsional. Por ora, deixaremos essa questão em aberto, pois a mesma ultrapassa os objetivos de nossa discussão inicial.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Os destinos da pulsão II – retorno em direção à própria pessoa

Como já discutido anteriormente no blog, Freud se limita a discutir os percursos pulsionais na reversão em seu oposto e no retorno em direção à própria pessoa. Se na primeira delas a mudança se remete à reversão da finalidade/meta da pulsão, no retorno de uma pulsão à própria pessoa há uma mudança no objeto da pulsão. Por exemplo, nesse último caso, enquanto o sadismo direciona esse objeto ao outro, no masoquismo há o retorno na própria pessoa. Visto isso, “a essência do processo é, assim, a mudança do objeto, ao passo que a finalidade permanece inalterada.” (Freud, 1915/1996, p.132, grifos do autor)

Para facilitar o entendimento dessa proposta nos opostos sadismo-masoquismo; podemos utilizar a figura abaixo, que apresenta os três tempos do processo como um todo:

No primeiro tópico, o sadismo acontece quando alguém (sujeito, ativo) exerce poder ou violência em relação a outrem (objeto, passivo); já no segundo, a própria pessoa substitui esse lugar do objeto abandonando, havendo a modificação de uma finalidade/meta ativa para passiva; no terceiro tópico, a partir dessa alteração da finalidade da pulsão, aquele que era o objeto passa a ser quem assume a parte ativa (sujeito) na relação e trata o antigo agente, agora objeto, de maneira passiva. Assim sendo, a satisfação pulsional também continua a mesma que no sadismo original.
É preciso levarmos em consideração a atuação do segundo tópico também na pulsão sádica encontrada na neurose obsessiva, porém, o percurso do processo se limita ao segundo tópico, sem a atitude de passividade em relação a outrem, dando um caráter de autopunição e não de masoquismo, haja vista que não há a busca de um outro como sujeito para atuar de forma ativa. 

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Os destinos da pulsão I – A reversão em seu oposto


Após destacar o fato de que as pulsões surgem no organismo e depois podem ir em direção ao mundo externo, Freud finalmente discute a respeito dos caminhos traçados por elas. Entretanto, o pai da Psicanálise se restringe a teorizar apenas as pulsões sexuais, pois o estudo psicanalítico “[...] só tem sido capaz de nos proporcionar informações de natureza razoavelmente satisfatória acerca das pulsões sexuais, pois este é precisamente o único grupo que pode ser observado isoladamente, por assim dizer, nas psiconeuroses” (Freud, 1915/1996, p.131). 
Nesse sentido, a pulsão pode passar por diversos destinos, sendo eles: a) reversão a seu oposto; b) retorno em direção à própria pessoa; c) recalque; e, d) sublimação. Entretanto, Freud discute apenas os dois primeiros percursos pulsionais, visto que o recalque recebeu um texto em separado, publicado no mesmo ano, 1915, e aquele referente à sublimação, pelo que nos indicam os historiadores de Freud, foi perdido.
Nos deteremos aqui sobre o primeiro possível destino. Assim, “a reversão de uma pulsão a seu oposto transforma-se, mediante um exame mais detido, em dois processos diferentes: uma mudança da atividade para a passividade e uma reversão de seu conteúdo” (Freud, 1915/1996, p.132). 
A mudança da atividade remete à reversão da finalidade/meta pulsional, como, por exemplo, a mudança do sadismo (torturar) para o masoquismo (ser torturado) e da escopofilia (olhar) para o exibicionismo (ser olhado). A reversão do conteúdo, por sua vez, é exemplificada por Freud como uma mudança do amor em ódio. A reversão da pulsão a seu oposto reflete, portanto, na modificação da meta pulsional, ao passo de que o retorno em direção à própria pessoa diz de uma alteração do objeto da pulsão. Entretanto, essa segunda questão será retratada no texto seguinte.



quinta-feira, 27 de julho de 2017

O caminho na diferenciação das pulsões

Visto que a diferenciação e a classificação das pulsões não podem facilmente se dar a partir da elaboração do material psicológico, a biologia tem a contribuição de, nesse sentido, relacionar as pulsões – sendo o indivíduo o ponto principal, uma vez que ele age satisfazendo suas necessidades biológicas ele estaria também a serviço da conservação da espécie.
Considerando que as pulsões sexuais eram vistas como o único grupo possível de uma observação isolada (nas psiconeuroses), podemos dizer que são “numerosas, emanam de grande variedade de fontes orgânicas, atuam em princípio independentemente uma da outra e só alcançam uma síntese mais ou menos completa numa etapa posterior” (Freud, 1915/1996, p.131).

Assim, a meta aspirada por cada uma é o ‘prazer do órgão’ (esse prazer sendo ligado à um órgão específico do corpo), e somente após alcançar uma síntese é que serão identificadas com as funções reprodutoras, caracterizando assim as pulsões sexuais. Essas pulsões, em seu surgimento, estão ligadas à autopreservação (à uma necessidade), sendo a sua diferenciação feita a partir da sua separação e também da sua escolha objetal.
Elas se distinguem principalmente pela possibilidade de agirem umas pelas outras, sendo possível também uma mudança de objeto e assim, ser capazes de funções que não se apresentavam diretamente em suas intenções originais, ou seja, capazes da sublimação.
Os destinos pelos quais as pulsões passam no decorrer da existência do indivíduo nas pesquisas freudianas se limitam às pulsões sexuais (que são mais familiares). Visto isso, os destinos que elas podem atingir são: reversão a seu contrário, retorno em direção à própria pessoa, recalque e sublimação.
A segunda opção, retorno em direção à própria pessoa, é curiosamente traduzida na Edição Standard brasileira como retorno em direção ao próprio eu (self) do indivíduo. No original, Freud escreve: “Die Wendung gegen die eigene Person“, frase na qual não encontramos as palavras eu [Ich], self [selbst] ou indivíduo [Individuum]. Lembrando que o Eu é um conceito em Freud e o self é um conceito em Jung. A versão brasileira então apenas gera confusão, afastando-se do texto de Freud, que trata simplesmente da pessoa.

A partir desses pontos, aprofundaremos o nosso estudo considerando esses destinos e a forma que a pulsão atua em cada um deles. 

terça-feira, 18 de julho de 2017

O conflito pulsional

Ao discutir os quatro fatores relacionados à pulsão – pressão, finalidade, objeto e fonte – Freud busca suscitar o seguinte questionamento: existem diferentes tipos de pulsões? Se sim, essas se diferem de forma quantitativa ou qualitativa? Ou seja, “que pulsões devemos supor que existem, e quantas?” (Freud, 1915/1996, p.129). Assim, pode-se afirmar que, inicialmente (em se tratando de mera quantidade), as pulsões são semelhantes entre si? Ou, desde sua fonte, essas já se diferenciam umas das outras? 
É nesse momento que Freud irá discutir a ideia de pulsões sexuais e pulsões do eu, as primeiras já haviam sido introduzidas nos Três ensaios sobre a sexualidade (1905/1996) e as segundas, segundo James Strachey, em seu artigo sobre A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica da visão (1910/1996), ainda que haja algo semelhante ao fim do item 2 da discussão do caso do Pequeno Hanns (1909/1996), quando Freud comenta sobre as pulsões de autopreservação [Selbsterhaltungstrieb]. Nesse sentido, as pulsões do eu remetem àquelas direcionadas ao próprio sujeito, com fins de autopreservação, ao passo de que as pulsões sexuais dizem respeito à energia voltada para o mundo externo, objetivando a preservação da espécie. As neuroses de transferência (fobia, histeria e neurose obsessiva) revelam que a raiz de tais afecções encontra-se em “um conflito entre as exigências da sexualidade e as do eu” (Freud, 1915/1996, p. 130). 
É interessante notarmos a caráter de dualidade de muitos conceitos freudianos, os quais encontram-se como pares de opostos em situação de conflito. A partir dessa acepção, podemos realizar uma analogia com os personagens fictícios da DC Comics: Batman e Coringa, pois  há algo de inseparável entre os dois, que os mantém vivos e em permanente conflito. Dessa forma, tal como os conceitos propostos por Freud, Batman e Coringa são sempre opostos, mas interdependentes, pois um só existe em correspondência ao outro. 
Por sua vez, a presença de pulsões diferentes em sua fonte é indubitável diante de tais teorizações. Entretanto, resta-nos questionarmos sobre a diferenciação qualitativa de tais pulsões. Essa é mais uma questão que, por hora, deixaremos em aberto.

terça-feira, 11 de julho de 2017

Dissecando a Pulsão

Quando o conceito de Pulsão é estudado, há a aparição de alguns termos que precisam ser tomados para que haja um maior entendimento e os estudos caminhem; esses termos são: pressão, finalidade, objeto e fonte.
A pressão [Drang] de uma pulsão pode ser considerada como toda a quantidade de energia que ela exige, o trabalho que essa pulsão representa. A pressão é característica de todas as pulsões e podemos dizer que a essência da pulsão é exercer essa pressão. Como alternativas para a tradução do termo Drang, encontramos em outras versões impulso e perentoriedade.
Já a finalidade [Ziel], de toda e qualquer pulsão pode ser considerada como a satisfação, que será atingida quando a estimulação na fonte da pulsão for suspensa. Por outro lado, considerando também que a pulsão é uma força constante, talvez seja melhor pensarmos a satisfação mais no sentido de apaziguamento da pulsão do que no de eliminação. Para o termo Ziel, encontramos ainda as traduções por meta e fim.
O objeto [Objekt] de uma pulsão, é entendido como o meio que a pulsão usará para atingir a sua finalidade (satisfação). O objeto é o que mais varia em uma pulsão, ele depende, além da pulsão, da forma que ela será apaziguada; sendo possível que um mesmo objeto possa ser utilizado por pulsões diferentes para alcançar essa meta (satisfação). O objeto pode, ou não, ser algo incomum, visto que “pode ser modificado quantas vezes for necessário no decorrer dos destinos que a pulsão sofre durante sua existência” (Freud, 1915/1996, p.128). Não há distintas traduções para este termo.
Por fonte [Quelle] de uma pulsão, caracterizamos todo o processo somático que acontece no corpo ou parte dele, sendo este estímulo na vida anímica representado através de uma pulsão. Também não há distintas traduções para este termo.

Por fim, Freud diz que as pulsões são qualitativamente similares. O que as diferencia é sua quantidade de energia e a diferença em relação à fonte de cada uma. Mas isso já é assunto para outro dia.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Um conceito limite


Vamos tomar hoje uma frase que na Edição Standard brasileira, encontramos assim: “um ‘instinto’ nos aparecerá como sendo um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático” (Freud, 1915/1996, p.127). Tal frase surge mais ou menos da mesma forma em dois outros textos: no Caso Schreber (1911/1996, p.81); e em uma nota acrescentada aos Três ensaios (1905/1972, p.171 – na edição de 1996 houve uma correção da tradução).

Tomemos a frase por partes. Sequer discutiremos a tradução do Trieb por instinto, pois já podemos acompanhar isto em outras postagens em nosso blog. Mas há que se atentar para o fato de que Freud não utiliza a palavra mental (em alemão, Mental) em nenhum momento de sua obra. Ele usa duas outras palavras – Seele/seelich (alma/anímico) e psychisch (psíquico). Nos interessa a ideia de que a pulsão seria um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático. Nesse sentido, se considerarmos aquilo que a tradução nos apresenta, a pulsão poderá ser esquematizada da seguinte maneira:
Dessa forma, podemos observar um dualismo, tal qual o proposto por Descartes para a mente e o corpo. É que a tradução brasileira nos induz a supor que há uma fronteira nítida entre estes dois pontos (dualismo) e que tal conceito é colocado sobre tal fronteira. Entretanto, a frase original de Freud é: “der Trieb als ein Grenzbegriff zwischen Seelischem und Somatischem“ (1915/1999, p.214). Uma tradução mais fidedigna seria: “ a pulsão como um conceito-limite entre anímico e somático”.
O que devemos pensar é que a pulsão brota no orgânico (quantidade) e é reconhecida do psíquico (qualidade). Com esta forma não há mais o dualismo mente-corpo, mas algo muito mais característico da proposta freudiana: uma dualidade, forma em que os pares de opostos necessitam um do outro para coexistirem (vale a pena conferir o Volume 3 do livro de Garcia-Roza, Introdução à metapsicologia Freudiana). Estes opostos apresentam em Freud um conflito (Zwiespalt, Konflikt). O anímico e o somático não são excludentes, mas possuem uma interseção, um conceito-limite – a pulsão, que podemos pensar, escapando ao dualismo, a partir do esquema abaixo:

Com esta nova visão, entramos em um novo questionamento: seriam então todas as nossas formas de adoecimento, formas psicossomáticas? Isso deixamos em aberto.
Abraços a todos,

terça-feira, 13 de junho de 2017

Estímulos Externos x Estímulos Internos

Considerando, a partir das leituras anteriores, que o estímulo [Reiz] pode ser eliminado através de uma ação motora em forma de descarga, enquanto a pulsão [Trieb] é constante e impossível de ser removida a partir de ações motoras – “jamais atuando como uma força que imprime um impacto momentâneo, mas sempre como um impacto constante” (Freud, 1915/1996, p.124, grifos do autor), nos deparamos com noção de um estímulo pulsional, descrito como aquilo que “ não surge do mundo exterior, mas de dentro do próprio organismo” (Freud, 1915/1996, p.124).

Esse estímulo pulsional tem origem interna no organismo, e por isso, não há uma forma de conseguirmos fugir dele. Sendo assim, podemos caracterizá-lo como uma necessidade [Bedürfnis] e, como toda necessidade, só é possível suspendê-la a partir da satisfação [Befriedigung – cabe localizar o radical desta palavra: Frieden, paz; daí pensarmos em um apaziguamento]. A satisfação trata de um apaziguamento dos estímulos pulsionais, não sua eliminação, havendo sempre um resto não eliminado, uma dissimetria entre a necessidade e seu apaziguamento; tendo como referência que o prazer é a diminuição de algo que havia aumentado, podemos dizer que, no desprazer há uma elevação da tensão (uma quantidade que aumenta) e, no prazer, uma diminuição. Com isso podemos pensar esquematicamente o princípio do prazer, como vemos abaixo:


Como diferenciação, temos então que os estímulos que podem ser evitados são atribuídos ao mundo externo, enquanto que os estímulos que se apresentam de forma constante vão dizer de um mundo interno e de suas necessidades pulsionais.

domingo, 4 de junho de 2017

Um primeiro questionamento

No decorrer do texto por nós discutido ao longo deste ano, Pulsões e destinos da pulsão, Freud nunca deixa de salientar que a pulsão constitui-se como um conceito ainda obscuro para a teoria psicanalítica, tanto no que diz respeito à sua observação clínica quanto, consequentemente, à sua definição teórico-conceitual. Apesar disso, Freud propõe uma distinção entre pulsão (Trieb) e estímulo (Reiz). Resumidamente, a pulsão pode ser considerada um estímulo aplicado à alma (alma aqui em um sentido muito distante do sentido religioso, simplesmente como aquilo que anima o corpo). Mas o que isso quer dizer? Em primeiro lugar, devemos salientar que a pulsão, de acordo com Freud, surge no organismo, sendo impossível removê-la a partir de uma ação motora. Assim, a pulsão é constante e irremovível. “[...] visto que ela [a pulsão] incide não a partir de fora mas de dentro do organismo, não há como fugir dela” (Freud, 1915, p. 124).


O estímulo, de uma maneira geral, pode ser eliminado em decorrência de uma ação motora em forma de descarga, devido à sua condição externa e momentânea. “Por exemplo, a luz forte que incide sobre a vista não é um estímulo pulsional; já a secura da membrana mucosa da faringe ou a irritação da membrana mucosa do estômago o são” (Freud, 1915, p. 124). Grande parte das edições dos escritos freudianos traduz o termo Trieb (sendo pulsão o termo que mais se aproxima da ideia original proposta por Freud) por instinto. Entretanto, Freud utiliza a palavra Instinkt para designar um determinismo anterior ao ser humano, ou seja, uma repetição cega da espécie. Nesse sentido, a partir da diferenciação terminológica entre pulsão, estímulo e instinto, surge um questionamento acerca do caminho seguido. Há, de início duas possibilidades para a discussão:

Estímulo - instinto - pulsão
ou
Estímulo - pulsão

A questão é se haveria em nós um instinto anterior ao surgimento da pulsão, ou se a dinâmica seria resumida apenas a um estímulo pulsional. Este questionamento ainda se mantém em nosso grupo, e será necessário avançar mais nas leituras para buscar uma resposta mais próxima ao texto freudiano. Esperamos que todos venham conosco nesta busca.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Uma prévia sobre pulsão, suas representações e o conhecimento científico


A pulsão é inicialmente citada como “instinto”, quando traduzida do inglês [instinct], ou como impulso/pulsão” quando traduzida do alemão [Trieb]. A pulsão, para Freud, é algo que nunca se torna objeto da consciência pois ela necessita de uma representação [Vorstellung] e ainda de um representante [Repräsentanz] que a conduza até o Consciente. Assim, o que pode vir a se tornar  consciente é o representante desta representação [Vorstellungsrepräsentanz]. Para Freud, no texto sobre O recalque, “além da representação, outro elemento representativo da pulsão tem de ser levado em consideração” (Freud, 1915/1996, p.157). Nesse sentido, partindo da ideia inicial de uma indistinção entre a própria pulsão e seu representante, Freud irá traçar nos textos seguintes, em especial O recalque e O inconsciente, uma distinção mais acentuada entre estes dois pontos.
As nomeações para as moções pulsionais [Triebregingen] surgiram pela primeira vez em Atos Obsessivos e Práticas Religiosas (Freud, 1907/1996), mas já existiam anteriormente caracterizados como excitações ou estímulos endógenos. Podemos diferenciar o estímulo da pulsão a partir de sua constância: enquanto o estímulo se dá como uma força geradora de um impacto, a pulsão atua como uma força que é sempre constante. Até 1910, Freud dizia de uma pulsão sexual que usava da libido como expressão; só depois o conceito de pulsão do eu foi introduzido aos textos como um impulso de autopreservação; a pulsão de morte só vem a surgir no ano de 1920, em Além do princípio de prazer, sendo nela consideradas as pulsões agressivas e destrutivas.
Durante o nosso estudo, nos depararemos com variados conceitos e até mesmo divergências entre eles – como já ocorrido até o momento. Para isso, é importante que saibamos como o conhecimento científico é elaborado, e nesse sentido Freud apresenta uma boa introdução em seu texto Pulsões e destinos da pulsão (1915/1996). A primeira etapa é a descrição do fenômeno a ser o objeto de estudo; as ideias que aparecerem nessa etapa serão os conceitos básicos da ciência; os conceitos científicos só serão elaborados após uma investigação completa no campo da observação, e assim se tornará uma definição.
A pulsão pode ser considerada como um conceito básico, que apesar de essencial ainda necessita de um aprofundamento em seus estudos. Esse conceito esbarra e atravessa conteúdos de diversos ângulos, como por exemplo, o estímulo e estímulo mental em fisiologia. Nesse sentido, tentaremos, nos próximos encontros, estabelecer um diferencial entre estímulos fisiológicos, estímulos instintuais (no sentido biológico) e estímulos pulsionais.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Retomando as atividades

Após um longo período de publicações referentes aos anos de 2015 e 2016, objetivando realizar leituras acerca dos conceitos fundamentais da Psicanálise, nosso grupo de pesquisa da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) retorna novamente ao seu trabalho e, nesse ano de 2017 temos como finalidade efetivar um estudo detalhado do conceito de Pulsão (Trieb) na obra de Freud. Como sempre, buscamos a compreensão dos conceitos fundamentais da Psicanálise através da leitura atenta e dirigida dos textos freudianos, em diversas versões, inclusive o texto original alemão.
Visto que nos anos de 2015 e 2016 foram estudados os conceitos de Inconsciente e recalque, respectivamente, considerou-se plausível uma análise minuciosa do texto Pulsões e destinos da pulsão (Triebe und triebschicksale), escrito por Sigmund Freud em 1915. As versões utilizadas, até então, serão as seguintes: duas edições diferentes da Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud – 1987 e 1996, ambas da Imago; a tradução de Luiz Hanns das Obras psicológicas de Sigmund Freud, também da Imago; a versão da Editora Delta, mais rara e difícil de se encontrar no Brasil, intitulada Obras completas de Sigmund Freud; a versão inglesa The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud da The Hogarth Press; a edição da Companhia das Letras: Sigmund Freud – Obras completas; a versão traduzida direta do alemão ao espanhol de Luis López Ballesteros y de Torres, intitulada Obras Completas, da editora Biblioteca Nueva; a versão argentina Obras completas – Sigmund Freud da Amorrortu Editores; a versão alemã Gesammelte Schriften da Internationaler Psychoanalytischer Verlag; e a versão alemã Gesammelte Werke, publicado pela Fischer Taschenbuch Verlag.

Assim nosso blog será novamente atualizado com publicações a respeito dos conceitos discutidos, visando sempre destrinchar as ideias de Freud, da maneira mais fidedigna possível aos escritos por ele elaborados, visto que as traduções dos textos freudianos possuem terminologias empregadas de maneira divergente e até mesmo imprecisa, dificultando assim a compreensão das ideias originalmente elaboradas pelo autor.
Sejam todos novamente bem-vindos.
Aguardamos as leituras e comentários de todos.