quinta-feira, 17 de agosto de 2017

O sadismo é primário ou secundário? Parte 1


Ainda no que se refere ao par de opostos sadismo/masoquismo, Freud nos suscita uma dúvida (que continua em discussão em seu texto posterior sobre O problema econômico do masoquismo, de 1924), sobre o caráter primário (ou secundário?) do sadismo. A questão é se o masoquismo é derivado do sadismo ou vice-e-versa? Inicialmente, Freud considerava que o ato de infligir dor não se configura como a principal intenção da pulsão sádica, pois uma criança sádica não tem a intenção de infligir dor. Entretanto, “uma vez ocorrida a transformação em masoquismo, a dor é muito apropriada para proporcionar uma finalidade masoquista passiva” (Freud, 1915, p. 134). Nesse sentido:

Uma vez que sentir dor se transforme numa finalidade masoquista, a finalidade sádica de causar dor também pode surgir, retrogressivamente, pois, enquanto essas dores estão sendo infligidas a outras pessoas, são fruídas masoquisticamente pelo sujeito através da identificação dele com o objeto sofredor. Em ambos os casos, naturalmente, não é a dor em si que é fruída, mas a excitação sexual concomitante – de modo que isso pode ser feito de uma maneira especialmente conveniente da posição sádica. A fruição da dor seria, assim, uma finalidade originalmente masoquista, que só pode tornar-se uma finalidade pulsional em alguém que era originalmente sádico (Freud, 1915, p.134).

A partir disso, podemos observar que Freud, nesse momento, inclinou-se a considerar o sadismo como um processo primário ao masoquismo. Dessa forma, se considerarmos que o sadismo é primário, automaticamente o masoquismo será a pulsão sádica que retornou ao próprio eu, ou seja, uma mudança de objeto pulsional. Todavia, se considerarmos que o masoquismo seja primário ao sadismo, estaremos diante de uma reversão da pulsão ao seu oposto, isto é, uma alteração da meta pulsional. Por ora, deixaremos essa questão em aberto, pois a mesma ultrapassa os objetivos de nossa discussão inicial.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Os destinos da pulsão II – retorno em direção à própria pessoa

Como já discutido anteriormente no blog, Freud se limita a discutir os percursos pulsionais na reversão em seu oposto e no retorno em direção à própria pessoa. Se na primeira delas a mudança se remete à reversão da finalidade/meta da pulsão, no retorno de uma pulsão à própria pessoa há uma mudança no objeto da pulsão. Por exemplo, nesse último caso, enquanto o sadismo direciona esse objeto ao outro, no masoquismo há o retorno na própria pessoa. Visto isso, “a essência do processo é, assim, a mudança do objeto, ao passo que a finalidade permanece inalterada.” (Freud, 1915/1996, p.132, grifos do autor)

Para facilitar o entendimento dessa proposta nos opostos sadismo-masoquismo; podemos utilizar a figura abaixo, que apresenta os três tempos do processo como um todo:

No primeiro tópico, o sadismo acontece quando alguém (sujeito, ativo) exerce poder ou violência em relação a outrem (objeto, passivo); já no segundo, a própria pessoa substitui esse lugar do objeto abandonando, havendo a modificação de uma finalidade/meta ativa para passiva; no terceiro tópico, a partir dessa alteração da finalidade da pulsão, aquele que era o objeto passa a ser quem assume a parte ativa (sujeito) na relação e trata o antigo agente, agora objeto, de maneira passiva. Assim sendo, a satisfação pulsional também continua a mesma que no sadismo original.
É preciso levarmos em consideração a atuação do segundo tópico também na pulsão sádica encontrada na neurose obsessiva, porém, o percurso do processo se limita ao segundo tópico, sem a atitude de passividade em relação a outrem, dando um caráter de autopunição e não de masoquismo, haja vista que não há a busca de um outro como sujeito para atuar de forma ativa.