quinta-feira, 30 de junho de 2016

O recalque na histeria de conversão

Continuando com os processos de recalque nas três neuroses, vamos agora para a Histeria de conversão, na qual Freud aponta para uma diferença importante no processo do recalque.

Aqui diferentemente da Histeria de medo onde o que é recalcado é a representação, o processo do recalque proporciona um completo desaparecimento do afeto. Dessa forma o paciente apresenta um estado que, segundo Freud, Charcot denominou de la belle indifférence des hystériques. Indiferença no sentido de que os sintomas, como as clássicas paralisias de membros, não chegam sequer a incomodar o paciente.

Outra maneira, que não obtém tanto sucesso quanto a primeira, ocorre quando alguma parte do afeto se liga ao sintoma, ou há uma liberação parcial de medo. Nesse caso a parte representacional do representante pulsional [a representação] é completamente privada da consciência. No lugar desta representação “(...) como um substituto - e ao mesmo tempo como um sintoma - temos uma inervação surperforte (em casos típicos, uma inervação somática), às vezes de natureza sensorial, às vezes, motora, quer como uma excitação, quer como uma inibição” (Freud, 1915/1974, p.180). Por meio do processo de condensação essa área superinervada, uma parcela do próprio representante pulsional recalcado, age atraindo todo o seu investimento.


No que se refere ao êxito do recalque na Histeria de conversão, podemos considerá-lo em dois aspectos: em um primeiro, podemos considerar falho pelo fato de que fica-se buscando uma grande quantidade de substitutos no corpo (em sua maioria) para aquilo que foi recalcado; por outro lado, podemos considerar o recalque na histeria de conversão alcançando êxito pelo fato de que “(...) o processo do recalque é completado pela formação do sintoma, e não precisa, como na histeria de medo, continuar até uma segunda fase – ou antes, rigorosamente falando, continuar interminavelmente. (Freud, 1915/1974, p.180).

quinta-feira, 23 de junho de 2016

O recalque na histeria de medo.


Antes de começarmos a discutir o que Sigmund Freud, em seu artigo Recalque (1915), fala especificamente a respeito da Histeria de medo, vamos esclarecer um ponto que, dentre as edições que usamos para as nossas discussões semanais em nosso grupo de pesquisa, se faz muito presente: medo, ansiedade ou angústia?

A Standard Edition usa, ao longo da obra freudiana, a palavra ansiedade para traduzir o alemão Angst. Por exemplo, no artigo Recalque (1915/1974, p. 178),utiliza-se a tradução Histeria de ansiedade; temos também um famoso artigo, Hemmung, Sympton und Angst, traduzido por Inibições, sintomas e ansiedade (1926[1925]/1974). Na Edição da Companhia das Letras, o artigo sobre o Recalque[1](1915/2010), encontramos Histeria de Angústia, para o outro artigo encontramos o título é: Inibições, sintomas e angústia. Na tradução de Luiz Alberto Hanns para o artigo O Recalque, (1915/2004), edição que é traduzida diretamente do alemão para o português, temos a tradução Histeria de angústia, ainda que seja importante ver a nota 53 da pp. 191-192, onde o tradutor justifica a escolha do termo em detrimento do literal Histeria de medo. Na nota 49 (p. 191 deste mesmo texto) Hanns cita o outro artigo freudiano propondo a tradução Inibição, sintoma e medo. No original em alemão, a Gesammelte Werke, em todos esses momentos nos quais estas edições usam ansiedade ou angústia, é usada a palavra Angst que se traduz por medo. Sendo assim, justificamos os motivos pela qual utilizaremos durante esta postagem a palavra medo, ao invés de ansiedade ou angústia que é mais comumente utilizada no Brasil. Veremos como ela faz muito mais sentido no exemplo freudiano, em especial ao se ligar ao quadro de fobia.

Na histeria de medo o recalque acontece da seguinte forma: o afeto permanece na consciência e a representação é afastada da consciência e então substituída. Para melhor entendimento do leitor, Freud apresenta um exemplo desse processo com base em uma fobia animal, a saber, o Homem dos Lobos, caso que, naquele momento, Freud já trabalhava, mas só iria publicar três anos mais tarde, em 1918.

A fobia animal apareceu quando o Homem dos Lobos se deparou com a castração. Logo ele sentiu medo do pai, o “castrador”. O recalque acontece quando aparece justamente esse medo de ser castrado pelo pai. Assim, MEDO DE SER CASTRADO → MEDO DO PAI. Segundo Freud (1915/1974, p. 179, correções de tradução nossas), “a formação do substituto para a parcela ideacional [do representante pulsional] [a representação] ocorreu por deslocamento ao longo de uma cadeia de conexões determinada de maneira particular. A parcela quantitativa [o afeto] não desapareceu, mas foi transformada em medo”. Como a representação ligada ao medo do pai em função da castração foi removida da consciência, um substituto fóbico foi a solução. A partir daí a fobia se instaura, e como formação substitutiva, num segundo momento, por meio do processo primário de deslocamento, a representação que vai se ligar ao afeto que permaneceu no consciente. O que surge é o medo do animal, no caso, o medo do lobo.

Aqui podemos levar em consideração o aspecto econômico, pois no que se refere a evitar o desprazer, essa solução fóbica falha. O medo continua, a neurose continua, mas ao invés de ser o medo do pai, agora está destinada ao medo de um animal. Sendo assim o processo de recalque na histeria de medo, como diz Freud é falho porque ele precisa de dois momentos: o primeiro onde se desenvolve o medo, no caso do Homem dos lobos, do pai; mas que, como Freud mesmo coloca no artigo O Inconsciente (1915), primeiramente o indivíduo não sabe o que teme; e num segundo momento é onde se desenvolve a fobia, se identificando o objeto fóbico.




[1] Nesta edição temos como tradução para o Die Verdrängung alemão, o título A repressão.