segunda-feira, 31 de julho de 2017

Os destinos da pulsão I – A reversão em seu oposto


Após destacar o fato de que as pulsões surgem no organismo e depois podem ir em direção ao mundo externo, Freud finalmente discute a respeito dos caminhos traçados por elas. Entretanto, o pai da Psicanálise se restringe a teorizar apenas as pulsões sexuais, pois o estudo psicanalítico “[...] só tem sido capaz de nos proporcionar informações de natureza razoavelmente satisfatória acerca das pulsões sexuais, pois este é precisamente o único grupo que pode ser observado isoladamente, por assim dizer, nas psiconeuroses” (Freud, 1915/1996, p.131). 
Nesse sentido, a pulsão pode passar por diversos destinos, sendo eles: a) reversão a seu oposto; b) retorno em direção à própria pessoa; c) recalque; e, d) sublimação. Entretanto, Freud discute apenas os dois primeiros percursos pulsionais, visto que o recalque recebeu um texto em separado, publicado no mesmo ano, 1915, e aquele referente à sublimação, pelo que nos indicam os historiadores de Freud, foi perdido.
Nos deteremos aqui sobre o primeiro possível destino. Assim, “a reversão de uma pulsão a seu oposto transforma-se, mediante um exame mais detido, em dois processos diferentes: uma mudança da atividade para a passividade e uma reversão de seu conteúdo” (Freud, 1915/1996, p.132). 
A mudança da atividade remete à reversão da finalidade/meta pulsional, como, por exemplo, a mudança do sadismo (torturar) para o masoquismo (ser torturado) e da escopofilia (olhar) para o exibicionismo (ser olhado). A reversão do conteúdo, por sua vez, é exemplificada por Freud como uma mudança do amor em ódio. A reversão da pulsão a seu oposto reflete, portanto, na modificação da meta pulsional, ao passo de que o retorno em direção à própria pessoa diz de uma alteração do objeto da pulsão. Entretanto, essa segunda questão será retratada no texto seguinte.



quinta-feira, 27 de julho de 2017

O caminho na diferenciação das pulsões

Visto que a diferenciação e a classificação das pulsões não podem facilmente se dar a partir da elaboração do material psicológico, a biologia tem a contribuição de, nesse sentido, relacionar as pulsões – sendo o indivíduo o ponto principal, uma vez que ele age satisfazendo suas necessidades biológicas ele estaria também a serviço da conservação da espécie.
Considerando que as pulsões sexuais eram vistas como o único grupo possível de uma observação isolada (nas psiconeuroses), podemos dizer que são “numerosas, emanam de grande variedade de fontes orgânicas, atuam em princípio independentemente uma da outra e só alcançam uma síntese mais ou menos completa numa etapa posterior” (Freud, 1915/1996, p.131).

Assim, a meta aspirada por cada uma é o ‘prazer do órgão’ (esse prazer sendo ligado à um órgão específico do corpo), e somente após alcançar uma síntese é que serão identificadas com as funções reprodutoras, caracterizando assim as pulsões sexuais. Essas pulsões, em seu surgimento, estão ligadas à autopreservação (à uma necessidade), sendo a sua diferenciação feita a partir da sua separação e também da sua escolha objetal.
Elas se distinguem principalmente pela possibilidade de agirem umas pelas outras, sendo possível também uma mudança de objeto e assim, ser capazes de funções que não se apresentavam diretamente em suas intenções originais, ou seja, capazes da sublimação.
Os destinos pelos quais as pulsões passam no decorrer da existência do indivíduo nas pesquisas freudianas se limitam às pulsões sexuais (que são mais familiares). Visto isso, os destinos que elas podem atingir são: reversão a seu contrário, retorno em direção à própria pessoa, recalque e sublimação.
A segunda opção, retorno em direção à própria pessoa, é curiosamente traduzida na Edição Standard brasileira como retorno em direção ao próprio eu (self) do indivíduo. No original, Freud escreve: “Die Wendung gegen die eigene Person“, frase na qual não encontramos as palavras eu [Ich], self [selbst] ou indivíduo [Individuum]. Lembrando que o Eu é um conceito em Freud e o self é um conceito em Jung. A versão brasileira então apenas gera confusão, afastando-se do texto de Freud, que trata simplesmente da pessoa.

A partir desses pontos, aprofundaremos o nosso estudo considerando esses destinos e a forma que a pulsão atua em cada um deles. 

terça-feira, 18 de julho de 2017

O conflito pulsional

Ao discutir os quatro fatores relacionados à pulsão – pressão, finalidade, objeto e fonte – Freud busca suscitar o seguinte questionamento: existem diferentes tipos de pulsões? Se sim, essas se diferem de forma quantitativa ou qualitativa? Ou seja, “que pulsões devemos supor que existem, e quantas?” (Freud, 1915/1996, p.129). Assim, pode-se afirmar que, inicialmente (em se tratando de mera quantidade), as pulsões são semelhantes entre si? Ou, desde sua fonte, essas já se diferenciam umas das outras? 
É nesse momento que Freud irá discutir a ideia de pulsões sexuais e pulsões do eu, as primeiras já haviam sido introduzidas nos Três ensaios sobre a sexualidade (1905/1996) e as segundas, segundo James Strachey, em seu artigo sobre A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica da visão (1910/1996), ainda que haja algo semelhante ao fim do item 2 da discussão do caso do Pequeno Hanns (1909/1996), quando Freud comenta sobre as pulsões de autopreservação [Selbsterhaltungstrieb]. Nesse sentido, as pulsões do eu remetem àquelas direcionadas ao próprio sujeito, com fins de autopreservação, ao passo de que as pulsões sexuais dizem respeito à energia voltada para o mundo externo, objetivando a preservação da espécie. As neuroses de transferência (fobia, histeria e neurose obsessiva) revelam que a raiz de tais afecções encontra-se em “um conflito entre as exigências da sexualidade e as do eu” (Freud, 1915/1996, p. 130). 
É interessante notarmos a caráter de dualidade de muitos conceitos freudianos, os quais encontram-se como pares de opostos em situação de conflito. A partir dessa acepção, podemos realizar uma analogia com os personagens fictícios da DC Comics: Batman e Coringa, pois  há algo de inseparável entre os dois, que os mantém vivos e em permanente conflito. Dessa forma, tal como os conceitos propostos por Freud, Batman e Coringa são sempre opostos, mas interdependentes, pois um só existe em correspondência ao outro. 
Por sua vez, a presença de pulsões diferentes em sua fonte é indubitável diante de tais teorizações. Entretanto, resta-nos questionarmos sobre a diferenciação qualitativa de tais pulsões. Essa é mais uma questão que, por hora, deixaremos em aberto.

terça-feira, 11 de julho de 2017

Dissecando a Pulsão

Quando o conceito de Pulsão é estudado, há a aparição de alguns termos que precisam ser tomados para que haja um maior entendimento e os estudos caminhem; esses termos são: pressão, finalidade, objeto e fonte.
A pressão [Drang] de uma pulsão pode ser considerada como toda a quantidade de energia que ela exige, o trabalho que essa pulsão representa. A pressão é característica de todas as pulsões e podemos dizer que a essência da pulsão é exercer essa pressão. Como alternativas para a tradução do termo Drang, encontramos em outras versões impulso e perentoriedade.
Já a finalidade [Ziel], de toda e qualquer pulsão pode ser considerada como a satisfação, que será atingida quando a estimulação na fonte da pulsão for suspensa. Por outro lado, considerando também que a pulsão é uma força constante, talvez seja melhor pensarmos a satisfação mais no sentido de apaziguamento da pulsão do que no de eliminação. Para o termo Ziel, encontramos ainda as traduções por meta e fim.
O objeto [Objekt] de uma pulsão, é entendido como o meio que a pulsão usará para atingir a sua finalidade (satisfação). O objeto é o que mais varia em uma pulsão, ele depende, além da pulsão, da forma que ela será apaziguada; sendo possível que um mesmo objeto possa ser utilizado por pulsões diferentes para alcançar essa meta (satisfação). O objeto pode, ou não, ser algo incomum, visto que “pode ser modificado quantas vezes for necessário no decorrer dos destinos que a pulsão sofre durante sua existência” (Freud, 1915/1996, p.128). Não há distintas traduções para este termo.
Por fonte [Quelle] de uma pulsão, caracterizamos todo o processo somático que acontece no corpo ou parte dele, sendo este estímulo na vida anímica representado através de uma pulsão. Também não há distintas traduções para este termo.

Por fim, Freud diz que as pulsões são qualitativamente similares. O que as diferencia é sua quantidade de energia e a diferença em relação à fonte de cada uma. Mas isso já é assunto para outro dia.