domingo, 23 de setembro de 2018

O estado amoroso no tratamento analítico e o ‘amor genuíno’ – o manejo e a linha de ação do analista

Já caminhando para o final do texto Observações sobre o amor transferencial (1915[1914]/1996), Freud segue em suas orientações para o analista diante do possível estado amoroso de seu paciente. O autor reitera o fato de o amor transferencial ser provocado pela situação analítica, ser intensificado pela resistência que ali habita e ser tomado por uma falta de sensatez e de noção da realidade. Sendo essas últimas características algo do essencial de se estar apaixonado.  Freud acentua a primeira das caraterísticas citadas acima como norte dessa ação uma vez que o analista evocou esse amor ao iniciar e instituir o tratamento analítico. E diz, mais uma vez, como é evidente que o analista não tire vantagem dessa situação, independente da disposição da paciente, a responsabilidade é sim, sem margens para dúvida, do manejo do analista.

Os motivos éticos e técnicos que impedem que esse amor seja dado a paciente tem como objetivo não perder de vista o cerne do tratamento que é o reestabelecimento dessa paciente diante dessas situações que ela atualiza no processo analítico. Ou seja, não esquecer que o ponto de tudo isso é justamente que essa paciente que encontra seu modo de amar prejudicado por suas fixações infantis, se emancipe e adquira um certo controle frente a esse conflito.

Freud aponta que, pode não ser uma tarefa fácil para o analista se manter entre esses limites da ética e da técnica, uma vez que “O amor sexual é indubitavelmente uma das principais coisas da vida, e a união da satisfação mental e física no gozo do amor constitui um de seus pontos culminantes.” (FREUD, 1915[1914]/1996, p.186). Mas volta ressaltar que é inteiramente impossível para o analista ceder a essas demandas. Há de se prezar sempre a oportunidade de ajudar a paciente naquela parcela decisiva de sua vida. É tarefa do analista que sua paciente aprenda com ele a superar o princípio do prazer e a ser conduzida por caminhos mais libertos do que aqueles primevos da infância que instauraram seu modo de amar.

Mais uma vez, o que de mais importante se exalta nesse fim de texto, é a recomendação diante da linha de ação do analista, ou seja, seu manejo do amor de transferência. O autor termina o texto enfatizando a importância não só de travar essa batalha contra ele mesmo, sua mente e tudo o que pode rebaixá-lo a um nível não analítico mas de também controlar essa poderosa e explosiva ferramenta que se dá no amor transferencial.
O psicanalista sabe que está trabalhando com forças altamente explosivas e que precisa avançar com tanto cautela e escrúpulo quanto um químico. Mas quando foram os químicos proibidos, devido ao perigo, de manejar substâncias explosivas, que são indispensáveis, por causa de seus efeitos? (FREUD, 1915[1914]/1996, pp.187-188)



quinta-feira, 13 de setembro de 2018

O corretor de seguros e o pastor: O impossível do amor transferêncial


Após considerar o enamoramento para com a figura do analista, Freud apresenta um cenário no qual paciente e analista estariam livres para se enamorar: Ele nos convida a reflexão: “O que aconteceria se o médico se comportasse diferentemente e, supondo que ambas as partes fossem livres, se aproveitasse dessa liberdade para retribuir o amor da paciente e acalmar sua necessidade de afeição?” (FREUD 1915[1914]/1996, p.182).

Freud aponta que se o objetivo do médico fosse ter domínio sobre a paciente e a partir daí liberá-la de suas neuroses, o tratamento demonstraria que seu objetivo é errôneo. A paciente pelo contrário alcançaria seu objetivo, teria o amor de seu médico, uma atuação bem-sucedida. Logo, ele não chegaria no objetivo da análise, mas ela sim. Freud aponta a história do corretor de seguros e do pastor: “O corretor de seguros, livre pensador, estava à morte e seus parentes insistiram em trazer um homem de deus para convertê-lo antes de morrer. A entrevista durou tanto tempo que aqueles que esperavam do lado de fora começaram a ter esperanças. Por fim, a porta do quarto do doente se abriu. O livre pensador não havia sido convertido, mas o pastor foi embora com um seguro” (FREUD, 1915[1914]/1996, p.183).

Freud aponta que apesar dos avanços da paciente na análise, no caminho ulterior do relacionamento amoroso, ela expressaria as inibições e reações patológicas de sua vida erótica, sem a capacidade de corrigi-la, terminando em um grande remorso e fortalecendo ainda mais o seu recalque.

“O relacionamento amoroso, em verdade, destrói a suscetibilidade da paciente à influência do tratamento analítico. Uma combinação dos dois seria impossível” (FREUD, 1915[1914]/1996, p.183).

Logo o analista deve criar um caminho diferente dentro do processo analítico, que não seja satisfazer ou suprimir o amor transferencial. Deve criar um caminho que não existe modelo na vida real. Deve manter o domínio sobre o amor transferencial, controlá-lo ao ponto que seja percebido, mas tratado como irreal, uma relação impossível, só assim o tratamento será conduzido como sucesso.