Vamos
tomar hoje uma frase que na Edição
Standard brasileira, encontramos assim: “um ‘instinto’ nos aparecerá como
sendo um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático” (Freud,
1915/1996, p.127). Tal frase surge mais ou menos da mesma forma em dois outros
textos: no Caso Schreber (1911/1996,
p.81); e em uma nota acrescentada aos Três
ensaios (1905/1972, p.171 – na edição de 1996 houve uma correção da
tradução).
Tomemos
a frase por partes. Sequer discutiremos a tradução do Trieb por instinto, pois
já podemos acompanhar isto em outras postagens em nosso blog. Mas há que se
atentar para o fato de que Freud não utiliza a palavra mental (em alemão, Mental)
em nenhum momento de sua obra. Ele usa duas outras palavras – Seele/seelich (alma/anímico) e psychisch (psíquico). Nos interessa a
ideia de que a pulsão seria um conceito situado na fronteira entre o mental e o
somático. Nesse sentido, se considerarmos aquilo que a tradução nos apresenta,
a pulsão poderá ser esquematizada da seguinte maneira:
Dessa
forma, podemos observar um dualismo, tal qual o proposto por Descartes para a mente
e o corpo. É que a tradução brasileira nos induz a supor que há uma fronteira
nítida entre estes dois pontos (dualismo) e que tal conceito é colocado sobre
tal fronteira. Entretanto, a frase
original de Freud é: “der Trieb als ein Grenzbegriff zwischen Seelischem und
Somatischem“ (1915/1999, p.214). Uma tradução mais
fidedigna seria: “ a pulsão como um conceito-limite entre anímico e somático”.
O
que devemos pensar é que a pulsão brota no orgânico (quantidade) e é
reconhecida do psíquico (qualidade). Com esta forma não há mais o dualismo
mente-corpo, mas algo muito mais característico da proposta freudiana: uma
dualidade, forma em que os pares de opostos necessitam um do outro para coexistirem
(vale a pena conferir o Volume 3 do livro de Garcia-Roza, Introdução à metapsicologia Freudiana). Estes opostos apresentam em
Freud um conflito (Zwiespalt, Konflikt). O anímico e o somático
não são excludentes, mas possuem uma interseção, um conceito-limite – a pulsão,
que podemos pensar, escapando ao dualismo, a partir do esquema abaixo:
Com
esta nova visão, entramos em um novo questionamento: seriam então todas as
nossas formas de adoecimento, formas psicossomáticas? Isso deixamos em aberto.
Abraços
a todos,
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