A
sessão III do artigo O Inconsciente
(1914) que estamos discutindo, tem como título na Standard Edition de 1974 “Emoções Inconscientes”, na edição de 2010
da Companhia das letras está como “Sentimentos Inconscientes”, da mesma forma
na edição alemã Gesammelte Werke,
onde está escrito Unbewußte Gefühle
(Sentimentos Inconscientes).
Neste
texto Freud vem nos dizer que a oposição entre inconsciente e consciente não se
aplica à pulsão, e que esta não pode ser tornar objeto da consciência, mas
apenas a sua representação. Dessa forma se a pulsão não se liga a uma representação
nada podemos saber dela.
Segundo
Freud estamos acostumados a entender que nossas emoções, sentimentos e afetos
são da ordem da consciência, e, portanto, temos pleno conhecimento sobre eles. Entretanto
ele vem nos alertar que na prática psicanalítica podemos falamos em amor, ódio
e ira inconscientes. Isso se deve a que muitas das vezes impulsos afetivos ou
emocionais sejam sentidos, mas não identificados corretamente, devido ao fato
de que esse afeto carece de uma representação, que por sua vez fora recalcada.
Quando
falamos de afetos inconscientes e emoções inconscientes, nos referimos aos
caminhos tomados, por causa do recalque que essa representação sofreu, através
do impulso pulsional. Freud vem nos falar de três possíveis caminhos, e deste
modo, destinos que o afeto pode tomar: No primeiro deles “o afeto permanece, no
todo ou em parte, como é”; no segundo caminho “é transformado numa quota de
afeto qualitativamente diferente, sobretudo em medo (Angst)”; e o terceiro caminho que Freud nos mostra o afeto “é reprimido
(Unterdrückt), isto é, impedido de se
desenvolver”.
Mais
uma vez nos deparamos com questões relativas à tradução de nossas edições
brasileiras das obras de Freud, mais especificamente a Standard Edition, tornando-se impossível fazermos considerações
sobre o que Freud quer nos dizer sem levarmos em conta estas questões.
Aqui
nos deparamos com esses três destinos do afeto, onde no primeiro o afeto
continua em seu estado normal, sem alteração, ou pelo menos em parte como é. No
segundo caminho, segundo a Standard
Edition o afeto pode se transformar em ansiedade. Na edição alemã encontramos
“oder er erfährt eine Verwandlung in
einen qualitativ anderen Affektbetrag, vor allem in Angst”. A palavra Angst que apressadamente traduziríamos
por angústia (ainda que essa tradução também seja correta, sobretudo com as
traduções de pessoas ligadas à escola lacaniana), na verdade tem como sua
primeira tradução medo. Assim Freud
nos diz que o afeto em um de seus caminhos pode se transformar em medo (ou
angústia).
No
terceiro caminho possível a ser sofrido pelo afeto, como já expusemos, o afeto pode
ser reprimido, e onde mais uma vez a Standard
Edition traz confusão. Em quase todas as vezes em que surge o termo repressão,
em todos os volumes da Standard Edition,
somos obrigados a trocar esta palavra por recalque. É que, via de regra, quando
temos o surgimento do termo repressão na Standard
Edition, Freud utilizou o termo Verdrängung,
entendendo esse processo como o movimento que a representação faz do
sistema Cs. em direção ao Ics. desligando-se do afeto. Neste
trecho especificamente não, pois aqui Freud usa o termo Unterdrückt referindo-se aí sim à repressão. Vejamos no texto de
Freud (aqui na tradução de Luiz Hanns): “Sabemos que a repressão do
desencadeamento do afeto é o verdadeiro objetivo do recalque [...]”; ou
em alemão: “Wir wissen auch, daß die Unterdrückung
der Affektentwicklung das eigentliche Ziel der Verdrängung ist
[...]”.
Desta
forma a repressão diz de um esforço da consciência para reprimir, sufocar o
afeto, e esse é o objetivo da repressão: impedir, inibir o desenvolvimento dos afetos.
Assim, inibindo um impulso pulsional este afeto não se manifesta. Nesse sentido,
para exemplificar, podemos pensar no caso de Freud (Elisabeth von R.) em que a
paciente, na ocasião da proximidade da morte de sua irmã, tem o pensamento de
que será bom ter seu cunhado agora só para ela. Nesse momento ela reprime essa
ideia de forma consciente, não acontecendo de essa ideia ser levada ao
Inconsciente. Os sentimentos pelo cunhado eram inconscientes, mas a repressão
do pensamento foi consciente.
Freud
ainda nos fala também sobre o movimento que o impulso pulsional faz em relação
a representação e ao afeto:
Com frequência,
contudo, a moção pulsional tem de esperar até que encontre uma representação
substitutiva no sistema Cs. O desenvolvimento do afeto pode então provir
desse substituto consciente e a natureza desse substituto determina o caráter
qualitativo do afeto. Afirmamos que no recalque ocorre uma ruptura entre o
afeto e a representação à qual ele pertence, e que cada um deles então passa por
destinos isolados. Descritivamente, isso é incontestável; na realidade, porém,
o afeto, de modo geral, não se apresenta até que o irromper de uma nova
apresentação no sistema Cs. tenha sido alcançado com êxito. (Freud
[1915] 1974, p.205-206, como modificações nossas na tradução)
Temos
por fim com Freud que o afeto não se desenvolve até que uma nova representação
substitutiva chegue ao Cs. Liga-se assim o afeto à nova representação (esse é o
caminho de formação dos sintomas). Assim podemos pensar que ao chegar ao
sistema Cs. a representação recebe uma
carga de investimento, ao passo que o afeto, a emoção, faz um movimento de
descarga, percebido como sentimentos.
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