quarta-feira, 17 de junho de 2015

Os sistemas Ics e Cs

Na segunda parte do texto 'O inconsciente' ([1915]1969), Freud vem nos falar sobre o ponto de vista topográfico desse conceito, apresentando o inconsciente como algo que poderia ser interno a cada um de nós.
Conforme observado, existem atos psíquicos que possuem os valores inconstantes, correspondendo às características de serem inconscientes. Desse modo, Freud nos diz que uma parte do inconsciente abrange atos que são somente latentes, apresentando-se temporariamente inconscientes, mas que não diferem em nenhuma outra forma dos atos conscientes. Em contrapartida, abarca processos recalcados que, se viessem à consciência, estariam predispostos a ressaltar uma discrepância mais grosseira em relação aos outros processos conscientes.
Com o intuito de esclarecer essas explicações, Freud sugere que os atos conscientes e inconscientes devam ser classificados levando em conta a relação com as pulsões e as finalidades da sua composição. Porém, ressalta que isso seria inviável pois, não há como escapar dessa ambiguidade consciente / inconsciente, tendo em vista que ora elas são empregadas com o sentido descritivo e ora com o sentido sistemático.
A partir de tal confusão, ele emprega as siglas Cs para se referir a consciência (Bewußtsein – consciência; diferente de Bewußt – consciente) e Ics para àquilo que seria inconsciente, isto é, quando estiver usando as duas palavras para se referir ao sentido sistemático do sistema psíquico.
Os atos psíquicos passam por dois tipos de fases, sendo que são interpostas por uma espécie de barreira (censura).
Na primeira fase, o ato psíquico é inconsciente e pertence ao sistema Ics; se, no teste, for rejeitado pela censura, não terá permissão para passar à segunda fase; diz-se então que foi ‘recalcado’, devendo permanecer inconsciente. Se, porém, passar por esse teste entrará na segunda fase e, subsequentemente, pertencerá ao segundo sistema, que chamaremos de sistema Cs. (Freud, [1915] 1969, p. 178).

Sendo assim, Freud volta a confirmar o que foi dito na introdução de ‘O inconsciente’, dizendo que o recalcado é apenas uma parte do inconsciente, de modo que o que foi recalcado, não sendo permitido passar pela censura deve permanecer em um estado latente. Porém, embora ainda não seja consciente, ele é capaz de se tornar consciente sem qualquer resistência. Levando em consideração essa capacidade, o sistema Cs pode também ser denominado de ‘pré-consciente’ (Pcs) partilhando das mesmas características. Assim a censura determina a transição do que é Ics para o Pcs.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Caminhando pelo Inconsciente

O conceito de inconsciente é o motivo pelo qual a psicanálise existe, sendo assim como a ciência do inconsciente. Para tal feita, Freud expõe no texto sobre O Inconsciente (1915), o qual estamos trabalhando, que é necessária e legítima sua suposição inicial sobre a existência do Inconsciente, mostrando-nos justificativas autênticas para essa conjectura e motivos para entendermos tal suposição. Esta por sua vez é necessária, devido às diversas lacunas que aparecem na consciência e que carecem de explicação e entendimento.

Sobre a existência do conceito de inconsciente Freud nos diz:

Podemos ir além e afirmar, em apoio da existência de um estado psíquico inconsciente, que, em um dado momento qualquer, o conteúdo da consciência é muito pequeno, de modo que a maior parte do que chamamos conhecimento consciente deve permanecer, por consideráveis períodos de tempo, num estado de latência, isto é, deve estar psiquicamente inconsciente. Quando todas as nossas lembranças latentes são levadas em consideração, fica totalmente incompreensível que a existência do inconsciente possa ser negada. (Freud [1915] 1974, p.192-193)

Deste modo apenas a existência da consciência é pouco para que possamos entender as muitas manifestações da nossa mente, entendendo aqui tudo o que nos escapa à consciência, tudo o que nos aparece como estranho à nós mesmos. Ainda, a maioria do que nos é percebido como conhecido e pertencentes à nós já fora uma vez tida em estado de latência.  
Freud coloca que a suposição da existência do Inconsciente se deve ao fato que há alguns atos psíquicos ininteligíveis que podemos eleger como sendo desconhecidos a nós, como os atos falhos e os sonhos em pessoas sadias, e os sintomas e as obsessões em pessoas adoecidas. Tais conclusões desses atos psíquicos ininteligíveis advém da experiência clínica-analítica e que existem até motivos antes mesmo da psicanálise para tal suposição, como por exemplo o trabalho com a hipnose.
A recusa em aceitar a existência do inconsciente, segundo Freud se deve em grande parte ao fato de que esse tema nunca fora antes discutido pela psicologia e que esta consequentemente volta o seu olhar só e exclusivamente para a consciência. Então por isso quando, por exemplo um terapeuta se dirige a um ato falho, ou um sonho sem explicação aparente como sendo sem importância é porque este está pensando e trabalhando com a psicologia do consciente, sem por sua vez se dedicar aos processos do inconsciente.


Para melhor expor os motivos da existência do Inconsciente, Freud decide expor fatos concretos de que não se tem dúvidas sobre esses atos psíquicos ininteligíveis, ou atos controvertidos. Assim Freud nos coloca que pela via fisiológica ou química* não se terá nenhum resultado sobre esses atos latentes, uma vez que estes trabalham em uma outra lógica. Mas sim, teremos alguma ideia de sua essência se trabalharmos pela via da consciência, uma vez que estes têm íntima relação, e que a partir desta, os atos mentais latentes podem vir a ser conscientes.


* Aqui encontramos mais uma vez um erro grosseiro de tradução. Chamamos de erro grosseiro porque não é algo como uma escolha do tradutor (tal como traduzir a palavra alemã trieb por instinto ou pulsão), mas um erro que realmente muda o sentido do texto tornando-o incompreensível. Nas edições da Standard Edition em português, encontramos a seguinte frase para tratar dessa parte: “nenhum conceito psicológico ou processo químico pode dar-nos qualquer ideia a respeito de sua natureza”. Com isso temos que o inconsciente não pode ser apreendido nem pela química (medicina, biologia e tantas outras disciplinas) nem mesmo pelo psiquismo (psicologia e até mesmo a psicanálise). Isso torna o inconsciente absolutamente inapreensível. Contudo, ao buscarmos o texto alemão original encontramos a seguinte frase: “keine physiologische Vorstellung, kein chemischer Prozeß kann uns eine Ahnung von ihr em Wesen vermitteln”. Com as palavras em itálico, podemos ver, sem conhecimento algum da língua alemã, que Freud se refere a representações fisiológicas e processos químicos. Podemos então compreender que Freud afirma a impossibilidade de se apreender o inconsciente a partir da fisiologia, da química, das neurociências, etc.; entretanto, é possível ter representações psíquicas do inconsciente, o que nos permite a existência da psicanálise.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Aviso aos Navegantes



Ao iniciarmos os nossos estudos sobre “O Inconsciente” (Freud, 1915), partindo da leitura de diversas editoras das obras de Sigmund Freud e discutindo os conceitos ali apresentados, foi inevitável não nos depararmos com um entrave que nos trouxe a outra discussão que vai além dos conceitos teóricos: os erros de tradução.



Logo no início do referido artigo na Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud editada em 1969, discutíamos o seguinte trecho: “O alcance do inconsciente é mais amplo: o reprimido é apenas uma parte do inconsciente” (p. 191). Nesse sentido no inconsciente existem mais coisas do que só meramente uma representação recalcada (reprimida) como, por exemplo, partes do Eu, tal como Freud diz em O Eu e o Isso (1923):
Reconhecemos que o Inconsciente não coincide com o recalcado; é ainda verdade que tudo o que é recalcado é Inconsciente, mas nem tudo o que é Inconsciente é recalcado. Também uma parte do eu — e sabem os Céus que parte tão importante — pode ser Inconsciente, indubitavelmente é Inconsciente (p. 31, da edição de 1996).
Quando nos deparamos com as edições mais recentes da Standard, de 1996 em diante, observamos que nesse mesmo trecho havia um não no meio da frase: “O alcance do inconsciente é mais amplo: o reprimido não é apenas uma parte do inconsciente” (p. 171, da versão de 1996). Essa forma compromete totalmente o sentido do que Freud está nos propondo ainda mais por ser totalmente antagônica ao sentido da frase justamente anterior: “Tudo que é recalcado deve permanecer inconsciente; mas, logo de início, declaremos que o recalcado não abrange tudo que é inconsciente” (mesmas páginas nas respectivas versões). Essa última versão faz-nos entender que o recalcado é o inconsciente como um todo. Isto se apresenta como um risco para um leitor mais leigo e não muito atento, a reduzir o inconsciente freudiano a ser unicamente o recalcado, deturpando a ideia original de Freud.
Além das versões brasileiras da Imago, outras também são conhecidas atualmente. Temos a versão da Cia das Letras (O inconsciente tem o âmbito maior; o reprimido é uma parte do inconsciente) e a versão de Luiz Hanns (Ou seja: o inconsciente tem maior abrangência que o recalcado, este é apenas uma parte do inconsciente). Nenhuma dessas duas traduções apresentam o erro.
Também versões em outras línguas não apresentam esse erro. A Standard Edition espanhola traz o seguinte texto: Lo inconciente abarca el radio más vasto; lo reprimido es una parte de lo inconciente; e a tradução de Luis Lópes Ballesteros apresenta: Lo inconsciente tiene un alcance más amplio, lo reprimido es, por tanto, una parte de lo inconsciente.
A versão inglesa (Complete Works) reza: The unconscious has the wider compass: the repressed is a part of the unconscious. As duas versões alemãs (Gesammelte Werke e Gesammelte Schriften) apresentam o seguinte texto: Das Unbewußte hat den weiteren Umfang; das Verdrängte ist ein Teil des Unbewußten.
Então percebe-se que não basta – e não é possível – nos debruçarmos sobre os conceitos pura e simplesmente, temos também que nos ater às questões que se referem às versões e traduções pois, como já foi expresso, faz toda a diferença. Só assim parece ser possível compreendermos o que Sigmund Freud realmente estava escrevendo.

domingo, 26 de abril de 2015

Boas vindas!


Estamos iniciando os trabalhos do grupo de pesquisa "Os conceitos fundamentais da psicanálise: um estudo detalhado dos conceitos freudianos" da Universidade do Estado de Minas Gerais, unidade de Divinópolis. 

Publicaremos regularmente o percurso dos estudos realizados no interior do grupo, para que além de contribuir para uma compreensão mais apurada dos conceitos freudianos aos leitores, possamos proporcionar que estes acompanhem as nossas investigações do Brasil e do mundo. 

Visto a imensidão da obra de Freud elegeu-se o Inconsciente como conceito para investigarmos durante este ano. Para esta feita buscaremos  a compreensão dos conceitos fundamentais da psicanálise através da leitura atenta e dirigida dos textos freudianos, em diversas versões, inclusive o texto original alemão, para que neste sentido, não nos afastemos de suas ideias originais.

Sejam todos bem vindos e boas leituras!