O conceito de
inconsciente é o motivo pelo qual a psicanálise existe, sendo assim como a ciência do inconsciente. Para tal
feita, Freud expõe no texto sobre O
Inconsciente (1915), o qual estamos trabalhando, que é necessária e legítima sua suposição inicial sobre a existência do
Inconsciente, mostrando-nos justificativas autênticas para essa conjectura e
motivos para entendermos tal suposição. Esta por sua vez é necessária, devido
às diversas lacunas que aparecem na consciência e que carecem de explicação e
entendimento.
Podemos
ir além e afirmar, em apoio da existência de um estado psíquico inconsciente, que,
em um dado momento qualquer, o conteúdo da consciência é muito pequeno, de modo
que a maior parte do que chamamos conhecimento consciente deve permanecer, por
consideráveis períodos de tempo, num estado de latência, isto é, deve estar
psiquicamente inconsciente. Quando todas as nossas lembranças latentes são
levadas em consideração, fica totalmente incompreensível que a existência do
inconsciente possa ser negada. (Freud [1915] 1974, p.192-193)
Deste
modo apenas a existência da consciência é pouco para que possamos entender as
muitas manifestações da nossa mente, entendendo aqui tudo o que nos escapa à
consciência, tudo o que nos aparece como estranho à nós mesmos. Ainda, a
maioria do que nos é percebido como conhecido e pertencentes à nós já fora uma
vez tida em estado de latência.
Freud coloca que a
suposição da existência do Inconsciente se deve ao fato que há alguns atos
psíquicos ininteligíveis que podemos eleger como sendo desconhecidos a nós, como os atos falhos e os sonhos em pessoas
sadias, e os sintomas e as obsessões em pessoas adoecidas. Tais conclusões
desses atos psíquicos ininteligíveis advém da experiência clínica-analítica e
que existem até motivos antes mesmo da psicanálise para tal suposição, como por
exemplo o trabalho com a hipnose.
A recusa em aceitar a
existência do inconsciente, segundo Freud se deve em grande parte ao fato de
que esse tema nunca fora antes discutido pela psicologia e que esta
consequentemente volta o seu olhar só e exclusivamente para a consciência.
Então por isso quando, por exemplo um terapeuta se dirige a um ato falho, ou um
sonho sem explicação aparente como sendo sem importância é porque este está
pensando e trabalhando com a psicologia do consciente, sem por sua vez se
dedicar aos processos do inconsciente.
Para melhor expor os
motivos da existência do Inconsciente, Freud decide expor fatos concretos de
que não se tem dúvidas sobre esses atos psíquicos ininteligíveis, ou atos
controvertidos. Assim Freud nos coloca que pela via fisiológica ou química* não
se terá nenhum resultado sobre esses atos latentes, uma vez que estes trabalham
em uma outra lógica. Mas sim, teremos alguma ideia de sua essência se
trabalharmos pela via da consciência, uma vez que estes têm íntima relação, e
que a partir desta, os atos mentais latentes podem vir a ser conscientes.
* Aqui encontramos mais
uma vez um erro grosseiro de tradução. Chamamos de erro grosseiro porque não é
algo como uma escolha do tradutor (tal como traduzir a palavra alemã trieb por instinto ou pulsão), mas um erro
que realmente muda o sentido do texto tornando-o incompreensível. Nas edições
da Standard Edition em português,
encontramos a seguinte frase para tratar dessa parte: “nenhum conceito
psicológico ou processo químico pode dar-nos qualquer ideia a respeito de sua
natureza”. Com isso temos que o inconsciente não pode ser apreendido nem pela
química (medicina, biologia e tantas outras disciplinas) nem mesmo pelo psiquismo
(psicologia e até mesmo a psicanálise). Isso torna o inconsciente absolutamente
inapreensível. Contudo, ao buscarmos o texto alemão original encontramos a
seguinte frase: “keine physiologische Vorstellung, kein chemischer Prozeß kann uns eine Ahnung
von ihr em Wesen vermitteln”. Com as palavras em itálico,
podemos ver, sem conhecimento algum da língua alemã, que Freud se refere a
representações fisiológicas e processos químicos. Podemos então compreender que
Freud afirma a impossibilidade de se apreender o inconsciente a partir da
fisiologia, da química, das neurociências, etc.; entretanto, é possível ter
representações psíquicas do inconsciente, o que nos permite a existência da
psicanálise.
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