quarta-feira, 20 de setembro de 2017

As antíteses

Após sermos apresentados a todos esses pares de opostos presentes no psiquismo, Freud considera que os mesmos serão melhor entendidos a partir da compreensão das três antíteses regentes do aparelho psíquico, sendo elas:

Sujeito (eu)/Objeto (mundo externo)
Prazer/Desprazer
Atividade/Passividade

A primeira antítese – Sujeito/Objeto – remete àquilo que já foi discutido sobre à capacidade de se eliminar, através da ação motora, estímulos provindos do meio externo, ao passo de que tais ações são ineficazes em se tratando de estímulos pulsionais (internos). A segunda antítese – prazer/desprazer – diz da relação com o aumento ou diminuição de tensão, e está diretamente ligada ao princípio de prazer, o que foi amplamente trabalhado por Freud em 1911 em seu texto sobre as Formulações sobre os dois princípio do acontecer psíquico.


Por fim, o par de opostos atividade/passividade se funde, de acordo com Freud, à antítese feminino/masculino. Nesse sentido, a masculinidade é correspondente à atividade, assim como a feminilidade está para a passividade, o que “nos defronta, na realidade, com um fato biológico, mas não é de forma alguma tão invariavelmente completa e exclusiva como tendemos a presumir” (Freud, 1915/1996, p. 139). Entretanto, tais polaridades encontram-se em constante relação na vida psíquica, pois, na medida que o eu recebe estímulos do mundo externo, este torna-se passivo, e ativo quando o mesmo reage a eles.

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

A reversão do conteúdo pulsional

Como já mencionado anteriormente, “a reversão de uma pulsão em seu oposto transforma-se, mediante um exame mais detido, em dois processos diferentes: uma mudança da atividade para a passividade e uma reversão em seu conteúdo” (Freud, 1915/1996, p. 132). Como já foi amplamente discutido sobre a mudança da atividade para a passividade (nos pares de opostos sadismo/masoquismo e voyerismo/exibicionismo), resta-nos realizar considerações acerca da reversão do conteúdo pulsional, exemplificada por Freud pela mudança do amor em ódio. 

Temos conhecimento, portanto, de que um sujeito pode desenvolver sentimentos de amor e ódio de maneira coexistente, pois o amor é apenas uma espécie de pulsão parcial da sexualidade. Assim, amar admite três pares de opostos: odiar, ser amado e desinteresse/indiferença.


É interessante atentarmos para o fato de que a segunda antítese [amar/ser amado] corresponde à transformação da atividade para a passividade, como é no caso do sadismo/masoquismo e do voyerismo/exibicionismo. Sendo assim, essa situação remete a uma característica narcísica de amar a si mesmo e, “conforme o objeto ou o sujeito seja substituído por um estranho, o que resulta é a finalidade ativa de amar ou a passiva de ser amado – ficando a segunda perto do narcisismo” (Freud, 1915/1996, p. 138). Portanto, essa situação remonta o esquema apresentado na publicação anterior de reversão a seu oposto e/ou um retorno em direção à própria pessoa.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Aviso aos navegantes V

Como dito anteriormente, é possível que ao longo das obras de Freud estudadas em nossa pesquisa, sejam encontrados equívocos quanto à tradução ou até mesmo quanto à escolha de palavras na descrição de conceitos. É válido e importante que destaquemos aqui quando, de fato, nos deparamos com situações como estas.
Recentemente, em nossas leituras atentas ao texto Pulsões e destinos da Pulsão (1915), pudemos perceber um sentido distorcido ou mal colocado na tradução da Edição Standard, sendo ela a única que apresenta em sua tradução esse sentido textual diferenciado. Tomemos este pequeno parágrafo como um todo: “a bem da inteireza, posso acrescentar que os sentimentos de piedade não podem ser descritos como sendo o resultado de uma transformação do instinto que ocorre no sadismo, mas carecem da ideia de uma formação de reação contra esse instinto” (Freud, 1915/1996, p. 134, grifos do autor).
Porém, o sentido da frase quando traduzida pela Edição Standard distorce o sentido que foi proposto por Freud. No original alemão encontramos este mesmo trecho como segue: “Der Vollständigkeit zuliebe füge ich an, daß das Mitleid nicht als e in Ergebnis der Triebverwandlung beim Sadismus beschrieben werden kann, sondern die Auffassung einer Reaktionsbildung gegen den Trieb erfordert” (FREUD, 1915/1999, p. 222, grifos do autor).
Adotaremos a tradução de Luiz Hanns para este trecho, pois pensamos que coincide com a escrita freudiana: “para não deixar esta exposição incompleta, devo acrescentar ainda algo sobre a compaixão e dizer que ela não pode ser descrita como um resultado da transformação pulsional ocorrida no sadismo; é preciso que a concebamos como uma formação reativa contra a pulsão” (Freud, 1915/2004, p. 154, grifos do autor)
Nosso ponto de discussão é a última oração do parágrafo. Na Edição Standard – mas carecem da ideia de uma formação de reação contra esse instinto; e na tradução de Luiz Hanns – é preciso que a concebamos como uma formação reativa contra a pulsão. Vemos que o sentido destas duas orações é absolutamente oposto. Na Edição Standard diz-se que a compaixão carece de uma formação reativa contra a pulsão, enquanto na tradução de Luiz Hanns diz-se que ela é a formação reativa contra a pulsão. Não apenas a tradução de Luiz Hanns, mas também as outras que utilizamos em nosso trabalho seguem esta mesma ideia, de que a compaixão é uma formação reativa contra a pulsão, o que concorda com o original alemão.

Assim, é importante que nos atentemos a esses detalhes que podem alterar todo o sentido dos nossos estudos, uma vez que a alteração de uma palavra ou talvez uma interpretação mal colocada pode transformar o texto, distanciando-se da proposta original. Nesse sentido, damos seguimento às leituras com muita atenção e um olhar diferenciado quanto as traduções.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

O sadismo é primário ou secundário? Parte 2

Dando seguimento à ideia proposta por Freud sobre os pares de opostos, podemos nos orientar melhor pela ordem abaixo, que se apresenta na página 135 da edição de 1996 (o texto deste esquema tem uma tradução muito ruim, por isso tomamos nossa própria tradução):
0 – Uma pessoa olhando para o próprio órgão sexual. Aqui em um sentido de autoerotismo, quando o indivíduo ainda não tenha uma elaboração do eu (letra α do esquema).
1 – Uma pessoa olhando para um órgão estranho (voyeurismo). Nesse estágio há a elaboração do eu e essa pulsão se dá de forma que o indivíduo exerce um papel ativo; no qual ele direciona o olhar ao outro (letra β do esquema).
2 – O próprio órgão sexual é olhado pela pessoa. Aqui, apesar de o indivíduo ter exercido um papel ativo, esse papel é retornado a ele mesmo pelo abandono do objeto (sem letra no esquema freudiano, é o item acima à direita. Pela proposta freudiana, vemos que há uma relação entre este ponto e o ponto α).
3 – O órgão da própria pessoa é olhado por uma pessoa estranha (exibicionismo). Nesse tópico o sujeito exerce uma função passiva, uma vez que ele é o objeto para o outro observar (letra γ do esquema freudiano).

Se pensamos no masoquismo como algo que é primário, podemos nos utilizar da imagem abaixo para um maior entendimento, sendo S o sujeito:
Nela, o sadismo é revertido para a própria pessoa como forma de masoquismo.
Já na hipótese de o sadismo ser primário, seria interessante pensarmos da seguinte maneira:
  
Podemos perceber então, que, seguindo a ordem proposta pelo texto, as etapas se dariam dessa forma:
0 – Autoerotismo (ainda que possamos pensar mais uma fase dentro deste item, o narcisismo primário, posterior ao autoerotismo)
1 – Ativo
2 – Reflexivo
3 – Passivo

Esta forma com números é a mesma exposição da forma freudiana com letras gregas (α, β, sem letra e γ). Podemos então pensar um esquema que englobe todos os pontos, como um resumo:
Se nessa fase preliminar, considerarmos o autoerotismo como algo próprio e unicamente do sujeito, podemos então pensar numa pulsão que se origina pela e na própria pessoa. Porém, como a discussão se estende para além desse quesito, não devemos limitar à ela a continuidade dos nossos estudos.