Antes de começarmos a
discutir o que Sigmund Freud, em seu artigo Recalque
(1915), fala especificamente a respeito da Histeria de medo, vamos
esclarecer um ponto que, dentre as edições que usamos para as nossas discussões
semanais em nosso grupo de pesquisa, se faz muito presente: medo, ansiedade ou
angústia?
A Standard Edition usa, ao longo da obra freudiana,
a palavra ansiedade para traduzir o alemão Angst. Por
exemplo, no artigo Recalque (1915/1974,
p. 178),utiliza-se a tradução Histeria de
ansiedade; temos também um famoso artigo, Hemmung, Sympton und Angst, traduzido por Inibições, sintomas e ansiedade (1926[1925]/1974). Na Edição da
Companhia das Letras, o artigo sobre o Recalque[1](1915/2010),
encontramos Histeria de Angústia,
para o outro artigo encontramos o título é: Inibições,
sintomas e angústia. Na tradução de Luiz Alberto Hanns para o artigo O Recalque, (1915/2004), edição que é
traduzida diretamente do alemão para o português, temos a tradução Histeria de angústia, ainda que seja
importante ver a nota 53 da pp. 191-192, onde o tradutor justifica a escolha do
termo em detrimento do literal Histeria
de medo. Na nota 49 (p. 191 deste mesmo texto) Hanns cita o outro artigo
freudiano propondo a tradução Inibição,
sintoma e medo. No original em alemão, a Gesammelte Werke, em todos esses momentos nos quais estas edições
usam ansiedade ou angústia, é usada a palavra Angst que se traduz por medo. Sendo
assim, justificamos os motivos pela qual utilizaremos durante esta postagem a
palavra medo, ao invés de ansiedade ou angústia que é mais comumente utilizada no Brasil. Veremos como ela
faz muito mais sentido no exemplo freudiano, em especial ao se ligar ao quadro
de fobia.
Na histeria de medo o
recalque acontece da seguinte forma: o afeto permanece na consciência e a representação
é afastada da consciência e então substituída. Para melhor entendimento do
leitor, Freud apresenta um exemplo desse processo com base em uma fobia animal,
a saber, o Homem dos Lobos, caso que, naquele momento, Freud já trabalhava, mas
só iria publicar três anos mais tarde, em 1918.
A fobia animal apareceu
quando o Homem dos Lobos se deparou com a castração. Logo ele sentiu medo do
pai, o “castrador”. O recalque acontece quando aparece justamente esse medo de
ser castrado pelo pai. Assim, MEDO DE SER CASTRADO → MEDO DO PAI. Segundo Freud
(1915/1974, p. 179, correções de tradução nossas), “a formação do substituto
para a parcela ideacional [do representante pulsional] [a representação] ocorreu
por deslocamento ao longo de uma
cadeia de conexões determinada de maneira particular. A parcela quantitativa [o
afeto] não desapareceu, mas foi transformada em medo”. Como a representação
ligada ao medo do pai em função da castração foi removida da consciência, um
substituto fóbico foi a solução. A partir daí a fobia se
instaura, e como formação substitutiva, num segundo momento, por meio do
processo primário de deslocamento, a
representação que vai se ligar ao afeto que permaneceu no consciente. O que
surge é o medo do animal, no caso, o medo do lobo.
Aqui podemos levar em
consideração o aspecto econômico, pois no que se refere a evitar o desprazer,
essa solução fóbica falha. O medo continua, a neurose continua, mas ao invés de
ser o medo do pai, agora está destinada ao medo de um animal. Sendo assim o
processo de recalque na histeria de medo, como diz Freud é falho porque ele
precisa de dois momentos: o primeiro onde se desenvolve o medo, no caso do Homem dos lobos, do pai; mas que, como
Freud mesmo coloca no artigo O
Inconsciente (1915), primeiramente o indivíduo não sabe o que teme; e num
segundo momento é onde se desenvolve a fobia, se identificando o objeto fóbico.
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