O
Inconsciente enquanto instância psíquica, tem como um dos grandes diferenciais
das demais instâncias o fator atemporal, do alemão zeitlos, que diz de uma certa temporalidade peculiar existente no
Inconsciente, na qual o passar do tempo não faz diferença. Levantamos esta
discussão em decorrência de havermos encontrado, através da nossa pesquisa, a
presença da palavra tempo em dois
momentos na página 173, no texto d’O Recalque,
no volume XIV da Edição Standard
Brasileira das obras completas de Sigmund Freud.
A
primeira aparição do emprego da palavra tempo se dá na seguinte frase: “Ao executarmos a técnica da psicanálise,
continuamos exigindo que o paciente produza de tal forma, derivados do
reprimido, que, em consequência de sua distância no tempo, ou de sua
distorção, eles possam passar pela censura do consciente.”(Freud, 1915/1974, p.173, grifo nosso).
E num segundo momento temos também o trecho:“Não
podemos formular uma regra geral sobre o grau de distorção e de distância no tempo
necessário para a eliminação da resistência por parte do consciente” (Freud,
1915/1974, p.173, grifo nosso). No texto alemão, nas duas partes citadas acima
Freud se utiliza das palavras Entfernung e Entstellung, que respectivamente podemos
traduzir por distância e deformação.
As duas frases citadas
dizem de um caráter temporal que eliminaria a resistência, possibilitando assim
a passagem dos chamados “derivados do reprimido [recalcado]” para o Consciente,
quando na verdade, temos de pensar a questão por um viés de significação. Os
conteúdos que “orbitarem” mais longe (enquanto significação) do ponto de
fixação do recalque original, tem mais chances de se ligarem a outras
representações e acederem ao Consciente, independentemente do tempo em que
foram recalcados.
A referência que temos da
passagem do tempo não faz com que o recalque perca suas forças. Um fato que
aconteceu na infância pode provocar efeitos quando adulto. Pois o Inconsciente
não funciona com a mesma noção de tempo que o Consciente; a lógica é outra. O Inconsciente
não reconhece a passagem do tempo.
Para melhor clarificarmos esta questão sobre os dois
trechos ao qual a Standard Edition inseriu
sem sentido a palavra tempo nestes
trechos, vejamos estes dois mesmos trechos na edição da Companhia das Letras,
volume XII, página 88: “No exercício da
técnica psicanalítica, exortamos continuamente o paciente a produzir tais
derivados do reprimido, que devido a sua distância ou deformação podem passar
pela censura do consciente.” E o outro trecho: “De modo geral não podemos dizer até onde tem que ir o distanciamento e
deformação do reprimido para que a resistência do consciente seja removida”.
Também na tradução de Luiz Hanns, página 180, temos: “durante a prática da técnica psicanalítica, solicitamos continuamente
ao paciente que produza as representações derivadas do recalcado que possam, em
decorrência de sua distania ou de sua deformação, passar livremente pela
censura do inconsciente”; e também “Em
geral, não é possível determinar até onde o grau de deformação e o afastamento
do recalcadoprecisam chegar para que a resistência do consciente seja suspensa”.
Cabe lembrar também que em nenhum dos dois trechos
citados, no original alemão, a palavra Zeit
(tempo) é utilizada.
Ainda
mais. No artigo sobre o Inconsciente, escrito pouco tempo depois, Freud nos
fala que: “Os processos do sistema Ics são atemporais, isto é, não são ordenados temporalmente, não são
alterados pela passagem do tempo, não têm relação nenhuma com o tempo.” (Freud, 1915, p. 93-94)
Sendo assim, não nos
restam dúvidas de que Freud nestes dois trechos que discutimos diz de um
caráter de significação (nem de espaço nem de tempo), ou seja, como é ilustrado
na figura abaixo, quanto mais distante enquanto significação, ou quanto mais
distorcido em relação ao recalque original, menos resistência atua sobre os
derivados do recalque, e desta forma mais fácil seu acesso ao Consciente. É
importante salientar que usamos a palavra distante
no sentido de que a representação foi se transformando, ficando longe de sua forma original, o recalque
original, para que assim possa superar a barreira do recalque e seguir para o
Consciente.
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