O último tópico do
artigo O Inconsciente antes dos
apêndices, o tópico VII, começa diferenciando as neuroses de transferência (histeria
de medo, histeria de conversão e neurose obsessiva) das psiconeuroses de
narcísicas (psicoses) no que se refere à relação entre o Eu e objeto. Visto que,
segundo Freud, já avançamos muito até este ponto com os estudos das neuroses de
transferência e da vida onírica, precisamos ainda, para compreendermos melhor o
Inconsciente, analisar mais atentamente agora as psiconeuroses narcísicas, para
entendermos suas peculiaridades e lançar novas luzes ao conhecimento sobre o
Inconsciente.
No que se refere à
antítese entre o Eu e o objeto, Freud vem nos dizer que esta não acontece nas
neuroses de transferência. Como já vimos em outros momentos, quando há a expulsão
do objeto inicia-se a neurose, ficamos apenas com uma representação deste
objeto no Inconsciente. Apenas com novos investimentos esta representação pode
surgir no Consciente, depois de passar pelo processo primário. Dessa forma o Eu
pode voltar a investir sua libido no objeto, e assim, elimina-se a antítese.
Entretanto, nas
psicoses, a libido que foi retirada do objeto no ato do recalque (lembremos que
até esse momento da teorização Freud contava apenas com um mecanismo – o
Recalque) não procura posteriormente um novo objeto, mas se volta para o Eu, e
é aqui que se encontra tal antítese conjecturada por Freud. Sendo assim,
estabelece-se uma condição narcísica, investindo-se libidinalmente apenas no Eu,
e é por isso que Freud vai dizer que não é viável o tratamento psicanalítico de
psicóticos, pois eles são incapazes de estabelecer transferência (lembremos
também que esta possibilidade foi revista com sucesso por Lacan da década de
1950). Além disso há a recusa do mundo externo, dentre outras características. É
por isso que Freud começa a estudar as psicoses, pois “muito do que é expresso
na esquizofrenia como sendo consciente, nas neuroses de transferência só pode
revelar sua presença no Ics. através da psicanálise.” (Freud, 1915/1974, p.225). Estaria aqui uma primeira forma do
jargão psicanalítico de que na psicose o inconsciente está a céu aberto?
Outro importante ponto neste texto é que Freud começa a dar
extrema importância ao que ele chama de modificação
na fala dos psicóticos, dizendo que ela se torna afetada e preciosa. Logo Freud vem explicitar esses fatos citando
outros autores e casos, ficando claro que o pai da psicanálise está trabalhando
com a linguagem, fato muito bem ressaltado por Jaques Lacan, que fez grande uso
da linguística estrutural em sua primeira clínica, incluindo trabalhos de vulto
sobre a psicose.
A partir de um dos casos expostos, Freud conclui que nas
psicoses há uma divergência no que diz respeito à palavra e à coisa (palavra
enquanto discurso verbal e coisa enquanto atributo Ics.) Nesse sentido, para o
psicótico não há uma representação da palavra (Wortvorstellung), há apenas a representação da coisa (Sachvorstellung).
Retomando raciocínios anteriores, Freud afirma que não
existem “registros diferentes do mesmo conteúdo em diferentes localidades, nem
tampouco diferentes estados funcionais de investimentos na mesma localidade”
Então se uma representação Ics. não é investida permanece em estado de coisa, e
se é investida ganha além do estado de coisa, o de palavra e só assim vai ao
Cs. Temos então que no Ics. só há apresentação de coisa, enquanto no Pcs-Cs há
a representação de coisa mais a representação de palavra.